o gajo está cheio de areia nos dentes! e ninguém parecia acreditar, riam-se muito da parvoíce da frase, do êxtase em que estávamos, não da imagem em si, sei lá, não imaginávamos que estivesse mesmo a comer a praia. até que veio o Al muito assustado a correr na nossa direcção, ajudem-me por favor, aquele gajo está-se a passar. e nós fomos rindo e andando, ficando mais sérios pelo caminho. quando lá chegámos cortou o riso de vez. aquilo não era bonito. é um mito que as avestruzes ponham a cabeça debaixo da terra quando sentem perigo. é fascinante como uma informação errada corre tanto ou mais do que uma correcta. vivi muitos anos a pensar que sabia das avestruzes e elas a rirem-se da minha ignorância. portanto ele não se podia parecer com uma avestruz, que elas não fazem aquilo, era mais um cão da pradaria a tentar escavar um buraco com as unhas cortadas. e em desespero por ter um falcão a pairar por cima. pode ser uma águia, lá está, assumimos e presumimos porque somos muito espertos, muito inteligentes, mas queria ver-nos a caçar um rato por dia para assegurar sobrevivência e não a inventar histórias de homens rato. de qualquer maneira, não sei o que o gajo tinha tomado, aquilo era feio, e a primeira pessoa que entrou no seu raio de alcance, uma rapariga com um piercing ao canto da boca, disseram-me que era prima, o que duvido, diz-se muito nestas horas e sabe-se pouco se é prima ou falcão, namorada ou águia, faz-se que sim, parece, é, pronto. de maneira que a prima procurou inteirar-se da situação dele aos berros, veja-se, não, ouça-se e veja-se e assuste-se, e por pouco escapou inteira. o gajo sacou dum pontapé no peito que a projectou um bom metro e meio, apoiado por um urro saído dum demónio ou dum urso, lá está, não se sabe que urros são de quem, pode ser dum demónio e dum urso, é possível que tenham frequências idênticas e a determinado ponto se conjuguem. a rapariga mal teve tempo para gritar, entrou em choque e só deve ter começado a sentir a pancada alguns minutos depois. assim que terminou o curto e longo silêncio que se seguiu, aqui já pode ir um e, foi curto e longo ao mesmo tempo, o tempo dá para dividir e não me parece que erremos muito nele, pois assim que acabou para se instalar o burburinho e o alvoroço, eu virei costas e saí. fez-me mal aquela cena. estava aflito. encontrei o Jonas pelo caminho e fumámos uma enquanto lhe contava o episódio. claro que o gajo a seguir foi para lá, para o meio da confusão. eu sentia-me cansado e só pensava em deitar-me com uma tigela de cereais a ver desenhos animados. eram para aí oito e tal, acho eu, mas posso estar enganado. já passaram uns anos.